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sexta-feira, 28 de outubro de 2011

DESVIO DE MILITAR DE SUA FUNÇÃO

PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRO GRAU NO RIO GRANDE DO SUL
JUIZADO ESPECIAL FEDERAL CÍVEL DE BAGÉ

AUTORES : Paulo Ricardo Bernades
RÉU : União Federal
OBJETO : Equivalência salarial
SENTENÇA

1. RELATÓRIO

Dispensado o relatório (art. 38, da Lei nº 9.099/95).

2. FUNDAMENTAÇÃO

Relata o autor ser Subtenente do Exército Brasileiro, estando lotado atualmente no 25º Grupo de Artilharia de Campanha (25º GAC), na cidade de Bagé/RS. Aduz que em 27/04/2007 foi designado para a função de encarregado de material, momento que ainda era Primeiro Sargento. Refere que no período entre 27/04/2007 até 01/12/2007 exerceu as atividades em desvio de função, porquanto somente no termo final foi promovido para Subtenente, patente condizente com a função de encarregado de material.

2.1. Prescrição

No que tange à prescrição, aduz a União que seria aplicável ao caso concreto a regra do art. 206, § 2º do Código Civil que explicita o prazo de dois anos de prescrição nos casos de pretensão relativa a prestações alimentares, em detrimento do conhecido prazo de 05 anos estipulado no Decreto nº 20.910/32. Refere, aliás, a União Federal que o art. 10 do indigitado Decreto permite que a lei estipule casos de prazos de prescrição inferiores.

Sobre o tema, entendo que é possível a aplicação de certos prazos prescricionais do Código Civil em prejuízo do Decreto em comento, mormente quando beneficiarem o ente público. Todavia, tal aplicação se limita a situações de índole cível, conforme já decidiu o STJ no RESP nº 1137354, atinente a caso de reparação de danos a favor de particulares. No caso em comento, a controvérsia é de índole nitidamente administrativa, por se tratar de discussão de índole remuneratória de servidor federal, de modo que se aplica o prazo quinquenal. Neste sentido, cito o seguinte precedente:

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. QUINTOS/DÉCIMOS. INCORPORAÇÃO ATÉ A MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.225-45/01. PRESCRIÇÃO. PREVISÃO ORÇAMENTÁRIA. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. CUSTAS PROCESSUAIS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 


1. A relação mantida entre a parte autora e a ré é regida pelo Direito Administrativo, sendo inaplicável o artigo 206, § 3º e incisos, do CC. Ao caso dos autos, aplica-se, nos termos do artigo 2º, § 2º, da LICC (Decreto-lei nº 4.657/42), as disposições do Decreto nº 20.910/32, que, no artigo 1º, estabelece prazo prescricional de 5 (cinco) anos. Ademais, tendo havido o reconhecimento administrativo, o prazo prescricional relativo ao pagamento dos atrasados restou interrompido, tendo como marco inicial a data da decisão proferida nos autos administrativos, ou seja, 24.02.2005. Ajuizada a presente ação em 22 de fevereiro de 2007, não se vislumbra a ocorrência da prescrição. (...). (AC 200772050004506, MARGA INGE BARTH TESSLER, TRF4 - QUARTA TURMA, 26/05/2008)


Afasto a alegação de prescrição, destacando que o prazo de dois anos previsto no Código Civil para prestações de pensão alimentícia é inaplicável ao caso, tendo em vista a norma específica do Decreto-Lei n. 20.910/1932, que prevê prazo prescricional de 05 anos. Assim, rejeito a prejudicial.

2.2. MÉRITO

A matéria debatida nestes autos não merece maiores ilações, tendo em vista que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem acolhido a tese no sentido de reconhecer ao servidor público o direito ao recebimento das diferenças remuneratórias decorrentes do desvio de função. Fundamenta-se a jurisprudência na impossibilidade de se admitir o enriquecimento ilícito por parte da Administração que, em vez de nomear um servidor habilitado em concurso público para determinado cargo, prefere utilizar outro, cujos vencimentos são de menor monta, mas que o cargo apresenta incumbências distintas. Em verdade, por motivos econômicos, o Poder Público acaba por utilizar servidor não habilitado para função, não logrando sequer retribuí-lo pelo exercício das atividades.

Sinalo, por oportuno, que a posição do STF é clara em afirmar o direito ao pagamento das diferenças, mas nunca de galgar o servidor a novo cargo. Ou seja, o servidor com função desvirtuada deve receber os vencimentos condizentes com suas atividades, mas não pode jamais ser “promovido” para o novo cargo em virtude do exercício das mesmas funções por um período de tempo. Eis os presentes:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. DESVIO DE FUNÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE REENQUADRAMENTO. DIREITO AO RECEBIMENTO DAS DIFERENÇAS REMUNERATÓRIAS. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. (AI 743886 AgR, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 27/10/2009)

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. DESVIO DE FUNÇÃO APÓS A CONSTITUIÇÃO DE 1988. IMPOSSIBILIDADE DE REENQUADRAMENTO. DIREITO ÀS DIFERENÇAS REMUNERATÓRIAS.

Consoante a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, "o desvio de função ocorrido em data posterior à Constituição de 1988 não pode dar ensejo ao reenquadramento. No entanto, tem o servidor direito de receber a diferença das remunerações, como indenização, sob pena de enriquecimento sem causa do Estado" (AI 339.234-AgR, Relator Ministro Sepúlveda Pertence). Outros precedentes: RE 191.278, RE 222.656, RE 314.973-AgR, AI 485.431-AgR, AI 516.622-AgR, e Res 276.228, 348.515 e 442.965. Agravo regimental desprovido. (RE 433578 AgR, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Primeira Turma, julgado em 13/06/2006 – destaquei) O tema sob exame, aliás, é objeto do verbete da Súmula nº 378 do Superior Tribunal de Justiça: "Reconhecido o desvio de função, o servidor faz jus às diferenças salariais  decorrentes". Tal súmula ganha maior importância em virtude de que em abril de 2009 o STF, no RE nº 578.657, Relator Meneses Direito, negou repercussão geral ao tema, passando a firmar a posição de que, por ser matéria de índole infraconstitucional, cabe ao STJ a fixação de seus parâmetros. Aponto que a jurisprudência fala em servidor público lato sensu, abrangendo inquestionavelmente os militares.

Ocorre que o desvio de função de militar deve ser examinado com o devido temperamento. Isso porque, o serviço militar visa a defender a pátria, a garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem, consoante art. 142 da CF/88, de modo que o militar se sujeita às regras da disciplina e hierarquia, executando não apenas as atribuições específicas do cargo como, também, aqueles inerentes à sua singular condição de militar. (RSE 200951014900933, Desembargador Federal MARCELO PEREIRA/no afast. Relator, TRF2 - OITAVA TURMA ESPECIALIZADA, 22/09/2009)

De conseguinte, cabe analisar a ocorrência ou não do desvio de função descrito na peça vestibular.
Primeiramente, contudo, é imperioso entender certos conceitos da seara militar.

Cargo militar é “é um conjunto de atribuições, deveres e responsabilidades cometidos a um militar em serviço ativo” (art. 20 da Lei 6.880/80). Seu preenchimento dar-se-á “por ato de nomeação ou determinação expressa da autoridade competente” (art. 21, parágrafo 1º). Já função militar “é o exercício das obrigações inerentes ao cargo militar” (art. 23). Por fim, o art. 24 aventa que “dentro de uma mesma organização militar, a seqüência de substituições para assumir cargo ou responder por funções, bem como as normas, atribuições e responsabilidades relativas, são as estabelecidas na legislação ou regulamentação específicas, respeitadas a precedência e a qualificação exigidas para o cargo ou o exercício da função”. De acordo com os autos, verifica-se que o autor, muito embora qualificado como 1º sargento, exerceu, entre abril e dezembro de 2007 a função de “encarregado de material” (OUT6 do evento nº 1). A controvérsia, pois, cinge-se em avaliar se tal função é privativa da graduação de subtenente ou pode ser exercida por 1º sargento.

Com base em permissivo legal, o Regulamento Interno e dos Serviços Gerais do Ministério do Exército, em seu art. 116 (Seção II - Do Subtenente Encarregado do Material), prevê que: “O subtenente é o encarregado do setor de material da SU, cuja administração lhe incumbe auxiliar, de conformidade com as ordens do respectivo comandante e de acordo com as atribuições que lhe são fixadas em legislação e regulamentos vigentes (...)”. Leia-se SU como subunidade.

Assim, pelas próprias normas internas da carreira, não poderia ter sido colocado um 1º sargento para exercer a função de “encarregado de material”, função privativa de subtenente.

A situação fática trazida nos autos, além de inovadora, aponta típica colisão de princípios: por um lado não se pode negar a exigência de concurso público, a legalidade estrita da Administração e até a moralidade necessária ao bom andamento da Administração; por outro, busca-se a valorização constitucional do trabalho e proibição de enriquecimento sem causa.

Como é sabido, os princípios são mandatos de otimização, ao passo que as regras possuem caráter de definitividade (são normas de "tudo ou nada", diante de uma antinomia jurídica uma sucumbe em favor da outra, restando aquela excluída do sistema jurídico). Por outro lado, entre as normas-princípio não há antinomia, mas sim juízo de ponderação, devendo a solução ser buscada na simultânea incidência dos princípios contrapostos, no qual um terá precedência sobre o outro em cada caso concreto, mas sem afastamento do preterido. Portanto, os princípios são normas que determinam que algo seja realizado na maior medida do possível, de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas do caso.

No caso concreto, se por um lado deve-se ter cuidado em ofertar remuneração maior para militar que não preenchia na época os requisitos básicos para a função, por outro não se pode olvidar que se imputou responsabilidades maiores a um militar sem o contraponto financeiro. Aliás, é uma situação confortável para a União, pois, com base em alegação de que não havia militares aptos para a função (ausência de selecionáveis, falta de pessoal, baixa capacidade daqueles fadados ao exercício da função), passa a pagar soldo menor, mas a exigir responsabilidade maior, mesmo havendo disposição infralegal expressa aventando a necessidade da graduação de subtenente para a função de encarregado material. 


Veja-se que não se está falando de disposição legal erigida por legislador ordinário, talvez distante das mazelas enfrentadas pelo serviço militar, e sim de próprio Regulamento interno, aprovado por meio de Portaria pelo Comandante do Exército, que expressamente indica tal necessidade. Ou seja, a regra interna da Administração veda tal prática, a qual simplesmente não é levada em conta. Ao se admitir tal prática, indiretamente está-se autorizando a União a nomear servidores em cargos cujos vencimentos são mais baixos, exatamente por atribuírem responsabilidades menores, imputando-lhes, em contrapartida, maiores incumbências sem o contraponto financeiro.

Chama atenção o fato de que a União justifica suposta improcedência do pedido com base na ausência de legislação, uma vez que a lei nº 5.787/72, que admitia a substituição de oficial em graduação superior a sua, percebendo o soldo daquele posto ou graduação, foi revogada expressamente pela Lei nº 8.237/91, afastando, portanto, a base legal da disposição do art. 376 do Regulamento (Substituição temporária é a realizada pelo militar quando, em caráter transitório, exerce cargo ou responde por função ou encargo atribuídos privativamente a militar de grau hierárquico superior ou igual ao seu, sendo-lhe atribuídas todas as responsabilidades inerentes ao cargo). Isso porque, é exatamente tal medida que o desvio de função busca evitar. Ora, se houvesse norma legal, sequer necessitaria estar discorrendo sobre o tema, pois não haveria nem mesmo lide. A questão é exatamente esta: imputar a militar responsabilidades inerentes à graduação mais elevada sem a remuneração condizente.

O teor argumentativo da Administração é contraditório, pois alega que não pode pagar o saldo equivalente à função de subtenente porque não há norma legal prevendo esta medida. Por outro lado, incumbe o militar de responsabilidades também sem previsão legal. Ou seja, para o exercício da função seria desnecessária previsão legal, mas para a repercussão financeira esta seria imprescindível. É, em verdade, uma manobra ilegal que a Administração aduz que não a altera exatamente por inexistir norma que preveja equacionar o desvio de função. Evidente, pois, a ocorrência do desvio de função no período entre 27/04/2007 até 01/12/2007.

Deixo de me manifestar sobre o teor da súmula 339 do STF, uma vez que tal discussão fica em segundo plano quando atinente ao próprio desvio de função, conforme precedentes anteriores, uma vez que não se está a discutir aumento de vencimentos, e sim a aplicação correta de remuneração de acordo com as atividades exercidas.

Nesse contexto, "nos casos de desvio de função, conquanto não tenha o servidor direito à promoção para outra classe da carreira, mas apenas às diferenças vencimentais decorrentes do exercício desviado, tem ele direito aos valores correspondentes aos padrões que, por força de progressão funcional, gradativamente se enquadraria caso efetivamente fosse servidor daquela classe, e não ao padrão inicial, sob pena de ofensa ao princípio constitucional da isonomia e de enriquecimento sem causa do Estado." (REsp 1.091.539/AP, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Terceira Seção, 26/11/2008, DJe 30/3/2009, cujo Acórdão restou submetido ao rito dos recursos repetitivos).


Portanto, impõe-se a condenação da União ao pagamento das diferenças remuneratórias oriundas da ilegalidade do desvio de função (incluídas as gratificações percebidas em virtude deste cargo, décimo terceiro salário, diferença de férias, terço constitucional sobre férias, tudo conforme a legislação administrativa então vigente e satisfeitos os requisitos pertinentes). Haverá inclusive os descontos tributários cabíveis.

O montante da condenação abarcará o período de 27/04/2007 até 01/12/2007, cuja quantia deverá ser corrigida monetariamente pelo IPCA-E até 30/06/2009 e, a partir de então, pelos índices oficiais de remuneração das cadernetas de poupança (atualmente TR, acrescida de juros de 0,5%), na forma prevista no artigo 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação atribuída pela Lei nº 11.960/2009. Essa sistemática de atualização abrange a correção monetária e a incidência de juros de mora, nos termos da legislação vigente.

    3. DISPOSITIVO

Ante o exposto, julgo PROCEDENTES os pedidos formulados na petição inicial, resolvendo o mérito do mérito do processo, com fundamento no artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil, para o fim de condenar a União ao pagamento das diferenças remuneratórias decorrentes do desvio de função das atividades desempenhadas pelo autor na qualidade de Primeiro Sargento e exercer atividades típicas de Subtenente (Encarregado de Material) durante o período 27/04/2007 até 01/12/2007, nos termos da fundamentação supra.

Sem custas e honorários advocatícios (arts. 54 e 55 da Lei n° 9.099/95).

Publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se as partes da sentença proferida nos presentes autos para, querendo, dela recorrerem no prazo de 10 (dez) dias.

Interposto o recurso tempestivamente, intime-se a parte-contrária para a apresentação de contrarrazões, no prazo de 10 (dez) dias. Juntados eventuais recursos e respectivas contrarrazões, remetam-se os autos à Turma Recursal.


FERNANDO TONDING ETGES

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