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sexta-feira, 7 de outubro de 2011

PETIÇÃO CONTRA BAIXA NA FS

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA VARA FEDERAL – SEÇÃO JUDICIÁRIA DO RIO DE JANEIRO.



(doze espaços aproximadamente)

FULANO DE TAL, brasileiro, natural do Rio de Janeiro, casado, militar, servindo na Companhia....., no cargo de Cabo, portador da cédula de identidade nº .../ Ministério da Defesa, CPF nº ..., residente à Rua …., nº …., Bairro..., nesta Capital, vem mui respeitosamente à presença de Vossa Excelência, com amparo na letra a), do inciso XXIV, do Art 5º da Constituição Federal, impetrar o presente HABEAS CORPUS contra ato ilegal perpetrado pelo Sr Capitão BELTRANO, Comandante da supracitada Organização Militar, sediada na Avenida …., nº …, Bairro ..., Nesta, pelas razões e motivos abaixo aduzidos.

1. DOS FATOS

O impetrante encontra-se retido no Quartel onde serve, Companhia..., impedido de sair das dependências da enfermaria da Formação Sanitária, desde às … horas do dia ..., por ordem verbal do seu comandante, Capitão BELTRANO, sem justo motivo, sem imperiosa prescrição médica especializada, sem ter cometido crime ou transgressão disciplinar militar, sem ter sido arrolado em Processo Judicial ou Administrativo ou em outros de quaisquer natureza, enfim, sem ter-lhe sido assegurado O DEVIDO PROCESSO LEGAL.

Inocorreu flagrante delito e inexistem contra o impetrante qualquer decreto judicial ou administrativo que impeça a sua liberdade, ainda que preventivamente. Mesmo assim, arbitrariamente, a autoridade coatora insiste em mantê-lo retido, estando, pois, sofrendo CONSTRANGIMENTO ILEGAL, razão pela qual, é interposto o presente recurso jurídico, visto não existir motivo legal para o cerceamento da liberdade do impetrante.

Faz-se mister trazer à baila que inexiste nos regulamentos, normas e disposições do Exército Brasileiro, no tocante a ato disciplinar, na esfera administrativa, qualquer dispositivo que permita ao impetrante interpor recurso administrativo com efeito suspensivo.

Ocorre que o requerente sofre de fortes dores no joelho direito e inflamação de sua articulação, o que o fez procurar assistência médica especializada no Hospital … , sendo atendido pelo Dr TAL, (CRM .... ), médico ortopedista-traumatologista daquele nosocômio, que o examinou, o medicou e diagnosticou sua doença como sendo … (CID ...), conforme Atestado Médico exarado por aquele profissional (doc nº 01). Após constatada a doença, o referido médico o encaminhou ao Setor de Fisioterapia para tratamento adequado, tendo-lhe sido prescritas dez sessões de fisioterapia e afastamento de esforços físicos e formatura pelo período de 30 dias a contar de … de ... de 2011, o que foi informado pelo requerente ao seu Comandante mediante Parte nº .../FT, de ...de ... de 2011 (doc nº 02). Contudo, discordando do parecer médico e, quiçá, supondo que o impetrante estivesse a simular doença, como se médico fosse, em represália, o Sr Capitão BELTRANO determinou a internação (baixa) do impetrante na enfermaria da Formação Sanitária, impedindo-lhe a saída do aquartelamento sem a observância das formalidades legais.

O fato relacionado ao estado do requerente e a legitimidade do Atestado Médico por ele apresentado poderia ser plenamente comprovado com a instauração da devida Sindicância Administrativa, o que não foi feito pela autoridade coatora, Sr Capitão BELTRANO, que, de forma arbitrária, decidiu determinar a um outro médico, Tenente SICRANO, seu subordinado, que prescrevesse no Livro de Visita Médico-Odontológica a internação do requerente, mesmo estando alheio à sua doença.

A própria Portaria do Comandante do Exército nº 202, de 26 Abr 00, no seu Parágrafo Único do Art 2º e Art 3º, determina de forma inequívoca a instauração de Sindicância em caso de indícios de irregularidades, senão, vejamos, in verbis:
Art 2º - Parágrafo único: A autoridade que tiver ciência de irregularidade é obrigada a adotar as medidas necessárias para a sua apuração, mediante sindicância.
Art 3º: A sindicância será instaurada mediante portaria da autoridade competente, publicada em boletim interno (BI) da Organização Militar (OM).

Outrossim, na correta visão de Cretella Júnior:

A sindicância é o meio sumário de que se utiliza a Administração Pública, no Brasil, para, sigilosa ou publicamente, com indiciados ou não, proceder à apuração de ocorrências anômalas no serviço público, os quais, confirmados, fornecerão elementos concretos para a imediata, abertura de Processo Administrativo contra funcionário responsável' (Lições Objetivas de Direito Administrativo, R. Friede,1999, São Paulo, Editora Saraiva, pg 322).
Na Revista Prática Jurídica, José Carlos Gomes Pereira, em suas dissertações, afirma:

A sindicância tem por escopo levantar dados, investigar fatos e notícias sobre irregularidades. Após a sua conclusão, servirá de peça informativa ao processo administrativo disciplinar. Trata-se de rito solene, sujeito a formalidades específicas e tem por finalidade especial apurar o grau de envolvimento de pessoas nos fatos noticiados [...].” (Revista Prática Jurídica, ano III, 30 Abr 04, p. 24).

O impetrante ao ter procurado assistência médica especializada, da qual necessitou, não ofendeu nenhum preceito regulamentar, nem cometeu crime ou transgressão disciplinar militar, portanto não merece ser punido por isso, muito menos ter a sua liberdade cerceada. Consoante o Art 14 do Decreto Presidencial nº 4.346, de 26 Ago 02 (Regulamento Disciplinar do Exército), in verbis:
Transgressão disciplinar é toda ação praticada pelo militar contrária aos preceitos estatuídos no ordenamento jurídico pátrio ofensiva à etica, aos deveres e às obrigações militares, mesmo na sua manifestação elementar e simples, ou, ainda, que afete a honra pessoal, o pundonor militar e o decoro da classe.

Nesse diapasão, se supostamente o impetrante cometeu transgressão disciplinar militar, forçoso seria que a autoridade competente para processá-lo instaurasse um regular processo administrativo para APURAR se de fato o impetrante praticou ou não tal AÇÃO (vide artigo supracitado).

Outrossim, a esse respeito, assim se posiciona o Ilustríssimo Desembargador Federal Hilton Queiroz, como relator em processo judicial:

Não se apresenta regular a retenção em quartel, fora do expediente normal, sem que exista contravenção ou transgressão disciplinar por parte do paciente, sob o pretexto de zelar pelo conforto do paciente, por sua saúde e pelo seu bem-estar". (Jurisprudência. Fonte: DJ, 28/02/03 pg 122, relator : Des Hilton Queiroz; RHC 2002.34.00.021; TRF100143459).

No mesmo sentido, é a posição do STJ, como se vê na jurisprudência abaixo:

É incabível a internação forçada de pessoa maior e capaz sem que haja justificativa proporcional e razoável para a constrição da paciente.” (HC 35301/RJ; Habeas Corpus 2004/0063013-3;Relator: Min. Nancy Andrighi;03/08/04)

Ademais, Excelência, salvo melhor juízo, não compete ao Comandante de Companhia, que não é médico, determinar, recomendar ou prescrever internação hospitalar aos seus subordinados, acometidos por alguma doença. Essa atribuição concerne exclusivamente ao médico e só a este cabe propor prescrições específicas, obviamente, em consonância com as normas legais, com o Código de Ética Médica e, no âmbito do Exército, com a Portaria nº 816, do Comandante do Exército, de 19 Dez 03 (Regulamento Interno dos Serviços Gerais), que estabelece as atribuições de todos os cargos militares existentes no âmbito do Exército Brasileiro, como reza o seu Art 1º, in verbis:

O Regulamento Interno e dos Serviços Gerais (RISG) prescreve tudo quanto se relaciona com a vida interna e com os serviços gerais das unidades consideradas corpos de tropa, estabelecendo normas relativas às atribuições, às responsabilidades e ao exercício das funções de seus integrantes.”

Nesse bojo, com relação às atribuições do médico, no Art 265 da supracitada Portaria, constatamos, in verbis:

As providências que cabem aos médicos propor, relativamente aos doentes, em conseqüência das observações feitas durante a revista médica, constam pormenorizadamente de prescrições específicas e consistem em:
I - dispensas - do uso de peças do fardamento ou equipamento, do serviço ou da instrução, por prazo determinado;
II - tratamento no quartel - para os casos de indisposições ligeiras, com ou sem isenção parcial ou total do serviço ou da instrução;
III - observação na enfermaria - para os casos em que não seja possível a formação de um diagnóstico imediato, a praça permanecerá na enfermaria, em princípio, por dois dias, que poderão ser prorrogados, e no caso de não ser constatado nenhum indício de moléstia, o observado terá alta, devendo o médico mencionar no livro competente, o prazo e os dias em que aquele deverá comparecer à visita médica para acompanhamento e avaliação, se for o caso;
IV - baixa à enfermaria - para tratamento de afecções benignas que necessitem de cuidados médicos ou para convalescença dos militares que, tendo alta do hospital, necessitem de repouso antes da volta ao serviço;
V - baixa a hospital - para todos os doentes portadores de moléstias graves ou contagiosas que necessitem de cuidados assíduos ou especializados que não possam ser prestados na enfermaria; ou
VI - encaminhamento à JIS ou aos serviços médicos especializados.
§ 1º A convalescença, a critério do Cmt U e mediante parecer do médico, poderá ser gozada no interior do quartel ou na residência do interessado, não devendo, neste caso, ultrapassar o prazo máximo de oito dias.”

Outrossim, de acordo com o Art 421 da mesma Portaria, temos, in verbis:

No caso de prescrição de baixa, o militar que preferir permanecer em residência particular ou tratar-se em instituição de saúde não conveniada ou contratada pelo FUSEx, apresentará essa pretensão por escrito a seu Cmt, Ch ou Dir.”

Vê-se, Excelência, pelo acima exposto, que há casos em que a “baixa” ou a “convalescênça” do paciente se faz necessário, porém, nesses casos, não havendo iminente perigo de vida, faculta-se ao paciente optar pela sua residência particular como local de repouso e recuperação. É um direito do paciente.

A propósito, convalescença é o período subseqüente a uma doença de que alguém se restabeleceu, só é cabível se for prescrita mediante parecer do médico que diagnosticou e que executa e acompanha o tratamento do paciente, podendo ser gozada na residência do paciente, se este assim o preferir, obviamente, se não houver empecilho. Portanto, manter “baixado” contra a sua vontade o paciente, que já foi diagnosticado, que já está sendo tratado por médico especialista, que não está se restabelecendo após alta de hospital, que não sofre de doença grave ou contagiosa ou indisposição ligeira e que é perfeitamente capaz de locomover-se para tratar-se da doença que lhe acomete é um flagrante atentado à liberdade individual.

A nossa Lei Maior, no caput do Art 5º, é taxativa quando nos garante a inviolabilidade do direito à liberdade, obviamente isso inclui a liberdade de escolha. E sobre esse tema, afirma a Drª Lúcia Alcântara, Psicóloga e Psicoterapeuta, Professora Titular e Diretora da Sub-Sede da SAEP em Volta Redonda:

Ser e fazer implicam em liberdade. A condição primordial da ação é a liberdade. Liberdade é essencialmente capacidade de escolha. Onde não existe escolha, não há liberdade. O homem faz escolhas da manhã à noite e se responsabiliza por elas assumindo seus riscos (vitórias ou derrotas). Escolhe roupas, amigos, amores, filmes, músicas, profissões... A escolha sempre supõe duas ou mais alternativas; com uma só opção não existe escolha nem liberdade.(...)

Contra o senso comum "ser-livre" não significa "obter o que se quis", mas sim "determinar-se por si mesmo a querer" (no sentido de escolher). O êxito não importa em absoluto à liberdade. O conceito técnico e filosófico de liberdade significa: autonomia de escolha, não fazendo distinção entre intenção e ato.(...) A liberdade não é alguma coisa que é dada, mas resulta de um projeto de ação. É uma árdua tarefa cujos desafios nem sempre são suportados pelo homem, daí resultando os riscos de perda de liberdade pelo homem que se acomoda não lutando para mantê-la.

Outrossim, um dos mais renomados escritores da literatura universal, célebre literato, Fiodor Dostoievski, em sua obra 'Cadernos do Subterrâneo', assim se expressa a esse respeito:
Pois quem aceitaria escolher por regras? Além disso, o ser humano seria imediatamente transformado numa peça de um orgão ou algo do gênero; o que é um homem sem desejos, sem liberdade de desejo e de escolha, senão uma peça num orgão?”

Ademais, o médico que prescreveu a “baixa forçosa” do impetrante, Ten SICRANO, nunca prestou atendimento nem acompanha o tratamento do impetrante, porquanto sua especialidade é ... e não ortopedista-traumatologista. O motivo de tal prescrição foi apenas para cumprir ordem verbal do Comandante da Companhia, Sr Capitão BELTRANO, do qual também é subordinado, a despeito da solicitação do impetrante de não permanecer “baixado” à enfermaria, conforme Parte nº .../FT, de …de..., de 2011 (doc nº 02), o que, salvo melhor juízo, fere o Código de Ética Médica (Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 1.931, de 17 SET 09). Senão, vejamos:
Código de Ética Médica
....................................................
Capítulo I
PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

I - A Medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade e deve ser exercida sem discriminação de qualquer natureza. (...)
VI - O médico deve guardar absoluto respeito pela vida humana, atuando sempre em benefício do paciente. Jamais utilizará seus conhecimentos para gerar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser humano, ou para permitir e acobertar tentativa contra sua dignidade e integridade.(...)
VIII - O médico não pode, em qualquer circunstância, ou sob qualquer pretexto, renunciar à sua liberdade profissional, devendo evitar que quaisquer restrições ou imposições possam prejudicar a eficácia e correção de seu trabalho.(...)
XVI - Nenhuma disposição estatutária ou regimental de hospital, ou instituição pública, ou privada poderá limitar a escolha, por parte do médico, dos meios a serem postos em prática para o estabelecimento do diagnóstico e para a execução do tratamento, salvo quando em benefício do paciente.(...)
XVII - As relações do médico com os demais profissionais devem basear-se no respeito mútuo, na liberdade e na independência de cada um, buscando sempre o interesse e o bem-estar do paciente.
Capítulo IV
DIREITOS HUMANOS
É vedado ao médico:
........................................

Art. 22. Deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte.
Art. 24. Deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo.
Art. 28. Desrespeitar o interesse e a integridade do paciente em qualquer instituição na qual esteja recolhido, independentemente da própria vontade.
.....................................
Capítulo V
RELAÇÃO COM PACIENTES E FAMILIARES
É vedado ao médico:
Art. 31. Desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte.”

Face ao exposto, vê-se que nem ao próprio médico convém determinar a “baixa” do paciente contra a sua vontade e sem motivo que o justifique. O que diríamos então do Comandante de Unidade, que sequer atua na área de saúde?

2. DO DIREITO

Excelência, o impetrante, cidadão brasileiro, está com sua liberdade cerceada sem que a autoridade coatora tenha observado as formalidades legais essenciais ao seu ato. O impetrante, mesmo militar, tem o direto de ser assistido pela proteção jurisdicional do Estado.

Como não se trata de matéria considerada como crime militar, foge da competência da Justiça Militar. É o que prescreve o Art 124, da Constituição Federal, ao estabelecer que “à Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei”. Assim, as auditorias militares só possuem competência para processar e julgar o casos previstos no Art 9º do Código Penal Militar (Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969). Sendo assim, o ato administrativo atacado é, pois, da competência da Justiça comum federal. É o que preceitua o Art 109, I, da Constituição Federal, que estabelece a competência dos juízes federais para o processamento e julgamento das causas em que a União Federal figure com autora, assistente ou ré.

Resta, pois, que o Habeas Corpus é permitido em razão do princípio do inciso LXVIII do art. 5º da Constituição Federal, que assegura, in verbis:

Conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofre violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.”

A nossa Lei Magna, com o fito garantir os direitos fundamentais de todos, sem exceção, estabeleceu como cláusula inamovível a possibilidade de qualquer do povo recorrer à via judicial para assegurar, se violados, os seus direitos, petrificados na nossa Lei Maior. É o que se infere à vista dos incisos XXXIV e XXXV, do Art. 5º da Lex Magna, in verbis:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...) XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:
a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder; (...)
(...) XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; (...).”

3. DA VIABILIDADE DO HABEAS CORPUS NO CASO EM QUESTIONAMENTO

Se Vossa Excelência entender superado os argumentos acima apresentados, faz-se mister perquirirmos acerca dos dispositivos constitucionais pertinentes à matéria trazida à baila e dos aspectos formais observados nos procedimentos administrativos, que não houve no caso em apreciação. Trata-se, portanto, de afronta ao princípio do DEVIDO PROCESSO LEGAL. Senão, vejamos:

Mesmo que o impetrante houvesse cometido a mais leve das transgressões disciplinares, haveria a necessidade de se instaurar um Processo Administrativo para assegurar-lhe o direito ao contraditório e a ampla defesa. O Processo Legal é um direito garantido pela nossa Constituição Federal. Tolher esse direito é retroceder no tempo ao Estado despótico, mácula da nossa história.

A nossa Lei Maior, em seu inciso LIV do Art 5º assegura que, in verbis:

Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.”

É consabido que não cabe Habeas Corpus em caso de impedimento, detenção ou prisão de militar, decorrente de punição disciplinar militar. O § 2º do Art 142 da Constituição Federal assim prescreve. Vejamos: “Não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares militares.” Entretanto, encontramos no inciso XXXV do Art 5° da Constituição Federal o seguinte, in verbis: a lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça a direito.” e ainda, no inciso LXVIII, do mesmo artigo, temos, in verbis: Conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.” Desse modo, está claro que não cabe Habeas Corpus em caso de punição disciplinar militar, SALVO se houver, na sua aplicação, ilegalidade ou abuso de poder e aí, sim, o Poder Judiciário poderá e deverá ser acionado para fazer valer ao cidadão-militar o direito ao DEVIDO PROCESSO LEGAL garantido na Constituição Federal.

As Constituições anteriores excluíram taxativamente a utilização de Habeas Corpus nas punições e transgressões disciplinares. Mas a jurisprudência já havia firmado posição do seu cabimento, quanto à apreciação da legalidade do ato administrativo.

A dúvida fica por conta da vedação do Art 142, § 2º, da Constituição atual, que restringe o Habeas Corpus em relação à transgressão disciplinar. Ocorre que, pelo fato de o Art 5º, LXVIII, prever o Habeas Corpus para qualquer pessoa e por estar essa possibilidade inserida numa das setenta e sete cláusulas petrificadas pelo legislador constituinte como garantidoras de direito individual e fundamental do cidadão, o magistrado deve interpretar a vedação como relativa.

É o entendimento de vários doutrinadores, especialmente de Paulo Lúcio Nogueira, que afirma que “essa ressalva não prevalece quando a ilegalidade da punição for flagrante, afirmando que a proibição é relativa.”

Também para Luiz Antônio Soares Hertz, Juiz, Mestre e Doutor em Direito e professor da UNESP, pensamento este consubstanciado quando prefaciou o livro Direito Administrativo Disciplinar Militar e sua Processualidade, de Eliezer Pereira Martins (LED, 1996):

A proibição ao uso do habeas-corpus contra punições disciplinares militares, como consta da norma constitucional, ali permanece como um resquício do regime autoritário anterior, devendo ser suprimida, e enquanto perdurar, tida por letra morta por encerrar vício constitucional interno.”

Júlio Fabrini Mirabete (Código de Processo Penal Interpretado, Atlas, 2. ed., p. 753), assevera:
Resta, porém, a impossibilidade de habeas-corpus em relação a punições disciplinares militares. (Art. 142, inciso II, da CF). Entretanto, como a própria Constituição Federal assegura que lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito(art. 5º, XXXV), e a punição é ato administrativo, deve-o atender aos requisitos necessários para sua validade, quais sejam os da competência, motivo, forma, objeto e finalidade; sob pena de ser ilegal, abusivo ou arbitrário, pode ser ele discutido no mandamos.”

O entendimento de que é cabível o Habeas Corpus nas punições disciplinares é mesmo do STF:

Punições por transgressão militar STF: habeas-corpus. O sentido da restrição dele quanto às punições disciplinares militares (Art. 142, inciso II, da Constituição Federal). O entendimento relativo ao inciso II, do Art. 153 da Emenda Constitucional nº 1/69, segundo o qual o princípio, de que a transgressão disciplinar não cabia habeas-corpus, não impede que se examinasse, nele, a ocorrência dos quatro pressupostos de legalidade dessas transgressões (a hierarquia, o poder disciplinar, o ato ligado à função e a pena susceptível de ser aplicada disciplinarmente), continua válido para o disposto do inciso II, do art. 142 da atual Constituição que é apenas mais restritivo quanto ao âmbito dessas transgressões disciplinares, pois a limita às de natureza militar. Habeas-corpus deferido para que o STJ julgue o writ que foi impetrado perante ele, afastada a preliminar do seu não-conhecimento. Manutenção da liminar deferida no presente habeas-corpus até que o relator daquele possa apreciá-la, para mantê-la ou não.” (HC 70.648-7-RJ-DJU de 4-3-94, pág. 3289).

A posição do STJ é no mesmo sentido, como se vê nas jurisprudências abaixo:

STJ: 1. Ao mesmo tempo em que a Constituição Federal reza em seu art. 142, inciso II, que não caberá hábeas corpus em relação a punições disciplinares militares, dispõe ela em seu Art. 5º, inciso XXXV, que a Lei não excluirá de apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. 2. Assim, como qualquer outro ato administrativo, o ato de punições disciplinares não pode fugir ao controle jurisdicional no sentido de que seja aferida sua legalidade pelo exame dos requisitos que deve achar-se revestidos.” (JSTJ 4/452).

STJ: A Constituição estatui no art. 142, inciso II, que não caberá hábeas corpus em relação a punições disciplinares militares. Decorre das características da disciplina nas Forças Armadas e em outras instituições que lhe são reserva. Elabora-se, contudo, distinção. É inadequado para debater o mérito da sanção, idôneo, entretanto, para analisar o aspecto da legalidade e os pressupostos do próprio mérito.” (RSTJ 34/94)

No caso em questionamento, a restrição de liberdade imposta ao impetrante não respeitou os princípios acima referidos. E o impetrante, mesmo militar, é um cidadão brasileiro como qualquer outro. Todo os princípios constitucionais também lhe são afetos.

Ressalte-se que o julgamento precipitado tornará irremissível a lesão causada ao direito de liberdade do impetrante.

Por outro lado, se julgado procedente, em nada prejudicará administração pública militar, posto que o ato atacado poderá ser cumprido em outra oportunidade.

No caso em tela, a ordem de Habeas Corpus é legal e, sobretudo necessária e urgente. Assegurará não só o direito de uma pessoa, mas, em ultima exegese, valorizará o poder hierárquico e disciplinar, evitando que este seja deturpado na sua finalidade; protegerá o estado democrático de direito de atos ilegais, imporá o respeito aos princípios constitucionais.

4. DA AFRONTA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL

Excelência, evidentemente que o administrador não deve abster-se de apurar irregularidades no serviço mediante Processo Administrativo (Sindicância Administrativa e Processo Administrativo Disciplinar), atuando conforme a Lei e o Direito quando da imposição de sanções disciplinares a seus administrados, transgressores, sob pena de prevaricação. Mas, para isso deve, necessariamente, obedecer às formalidades legais previstas na legislação atinente ao assunto, obviamente.
Nesse sentido, a assertiva é do ilustrado publicista Álvaro Lazzarini:

O poder disciplinar tem o seu fundamento, a sua razão de ser no interesse e na necessidade de aperfeiçoamento progressivo do serviço público. É um atributo do superior hierárquico.” (cf. A. Lazzarini op. Cit)

Outrossim, analisando outra averbação do ilustre mestre:

... a transgressão disciplinar, a ser reprimida pelo detentor do poder disciplinar, mediante sanções, ou seja, mediante penas ou punições a serem impostas, em regra, mediante regular procedimento administrativo disciplinar...”

Segundo o Tenente Coronel Joilson Fernandes de Gouveia, Bacharel em Direito:

(...) Deve-se sempre apurar regularmente a falta disciplinar, sob pena de nulidade, face ao disposto no Art. 5º, LV, CF/88, que assegura aos acusados em geral o contraditório e ampla defesa com todos os meios e recursos a ela inerentes, notadamente se se tratar de sanção restritiva da liberdade de locomoção (prisão/detenção) do transgressor, consoante escólio de Diógenes Gasparini que assim leciona:|...| à vista do que prescreve o inc. LV do Art. 5º da Constituição Federal (...) sempre que se tiver um servidor acusado de infração, o processo administrativo disciplinar é obrigatório, pois só nessa espécie de processo podem realizar-se, efetivamente, essas garantias constitucionais.” (Habeas Corpus e Mandado de Segurança Disciplinares-monografia)

O impetrante, adentrando no mérito da questão, quer dizer que é necessário ao Exército o poder hierárquico e disciplinar, obviamente. O que não pode é, ultrapassando esses dois princípios, desrespeitar o Art 37 da Constituição Federal, que impõe que a administração pública – e aí se incluem os militares – deve respeitar a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, princípios ali expressos, bem como outros, implícitos no mandamento constitucional, como da razoabilidade.


No caso em apreciação, haveria antes de qualquer medida coercitiva contra a pessoa do requerente a necessária instauração de regular processo administrativo disciplinar.

É consabido que os processos administrativos disciplinares em geral caracterizam-se como um procedimento acusatório, punitivo e contencioso, subordinado, portanto, aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa (Art. 5°, Inc. LV, da CF), do devido processo legal (Art. 5°, inc. LIV, da CF) e da presunção da inocência (Art. 5°, Inc. LVII, da CF). Já a Sindicância Administrativa, é o meio sumário de elucidação de irregularidades no serviço para subseqüente instauração de processo e punição ao infrator, constitui-se num procedimento meramente investigativo e preparatório do Processo Administrativo Disciplinar, para o qual servirá como peça informativa.

Segundo Marcílio Nunes Medeiros, procurador federal, especialista em Direito Público:

No campo do direito processual, desponta como princípio fundamental, do qual derivam todos os demais, o princípio do devido processo legal. Nesse sentido, afirma Nelson Nery Jr. que ‘bastaria a norma constitucional haver adotado o princípio do ‘due process of law’ para que daí decorressem todas as conseqüências processuais que garantiriam aos litigantes o direito a um processo e a uma sentença justa. É, por assim dizer, o gênero do qual todos os demais princípios constitucionais do processo são espécies.”

Consoante ensinamento do professor José Cretella Jr:

Entende-se como ampla defesa, no processo administrativo, o direito que tem o funcionário de ser ouvido, de oferecer testemunhas, de fazer acareações, de anexar documentos, de reperguntar, enfim, de poder interferir direta ou indiretamente em todas as fases do processo, pessoalmente ou por procurador devidamente habilitado, de tal modo que o processo não apresente nenhum defeito formal, o que tornaria imprestável, nulo e, pois, susceptível de desfazimento pelo Poder Judiciário, que anulará todo e qualquer ato, consubstanciador de penalidade, com base em processo desnaturado formalmente.”

E, reportando-se à mesma matéria, Palhares Moreira Reis (Processo Disciplinar, Consulex,1997, p. 56), ensina:

Assegurar ou garantir a todo e qualquer acusado a ampla defesa é norma do princípio natural segundo o qual ninguém pode ser acusado sem ser ouvido, nem condenado sem se defender. Por conseguinte, a quem, não se der conhecimento do que está sendo acusado e oportunidade para aduzir circunstâncias justificadoras da falta cometida ou para defender-se da imputação irrogada não poderá ser legalmente punido. Se o for, a punição será nula ou anulada.”

A autoridade militar coatora não respeitou e não está respeitando os direitos constitucionais do impétrante. este está sendo punido com cerceamento de liberdade sem o devido processo legal.

O Jurisconsulto R. Friede, em suas lições, afirma:

O princípio da garantia de defesa como corolário do postulado genérico do devido processo legal, consiste, basicamente, na cientificação dos termos constantes do processo ao interessado, dando-lhe oportunidade para contraditar a pretensão inicial, produzindo as provas que entender cabíveis. Inclui também, quando for feita a defesa, auxilio por profissional habilitado de escolha do servidor quando for o caso.” (R. Friede, Lições Objetivas de Direito Administrativo, São Paulo, Saraiva, 1999, p 175).

E, por garantia de defesa, diz Hely Lopes Meirelles:

Deve-se entender não só a observância do rito adequado, como a cientificação do processo ao interessado, oportunidade para contestar os atos da instrução e utilizar-se dos recursos cabíveis. Sabe-se que ninguém pode ser punido sem julgamento. Esse princípio foi elevado ao Direito Constitucional, sendo que está implícito no Art. 5°, LIII, LIV e LV, que trata das garantias individuais.”

Como bem leciona o ilustre Magistrado Ivo Dantas, citando Pimenta Bueno:

A garantia é uma promessa, uma segurança que a lei estabelece para fazer respeitar efetiva e eficazmente um direito.” (Revista Prática Jurídica Ano III 30 Abr 04)



5. DO PEDIDO
Por fim, pela presente exposição, depreende-se que as formalidades a que está sujeito o Processo Legal não foram obedecidas pela autoridade coatora quando do cerceamento da liberdade do requerente, que por conseguinte pede a Vossa Excelência:

a) Que, liminarmente, seja o ato de cerceamento da liberdade do requerente suspenso até a decisão final do presente Habeas Corpus;

b) que a autoridade coatora coloque em liberdade o requerente, ainda que sem prejuízo de um eventual processo;

c) que, ao final, lhe seja concedida em definitivo a ordem de liberdade;

d) que, havendo desobediência à ordem judicial, seja decretado o cometimento, pela autoridade faltosa, de crime de responsabilidade e adotadas as medidas judiciais cabíveis.
Nestes termos, perde deferimento.


Rio de Janeiro-RJ, … de... de 2011

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FULANO DE TAL

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"O que me preocupa não é o grito dos corruptos, dos violentos, dos desonestos, dos sem caráter, dos sem ética... O que me preocupa é o silêncio dos bons."(M.L.King)
"LIBERDADE É CONHECER AS AMARRAS QUE NOS PRENDEM"